Enredo: súbita e inexplicável epidemia de cegueira.
O filme inspirado no livro é um bom começo para quem deseja iniciar a leitura. Em geral, as cenas são bem fiéis a escrita de Saramago.
Pode-se afirmar que a obra é difícil de ser lida, não apenas pelo seu contexto filosófico, mas pelo estilo de José Saramago: as falas entre vírgulas forçam o leitor a um verdadeiro mergulho em suas ideias, pois é impossível parar em meio às ideias do autor. As cenas são rápidas e sem percerber um número considerável de pessoas já havia sido contamido pela "cegueira branca".
Saramago opta pelo anonimato das personagens, como uma maneira de universalizar a experiência, abrangendo todas as pessoas, todos os nomes. Os personagens, portanto, são conhecidos por suas particularidades.
- "Mulher do Médico" - É a única que pode ver as belas e horrorosas imagens descritas pelo autor. Ela não sabe se é abençoada ou amaldiçoada por poder enxergar em uma terra de cegos.
A sua imunidade é inexplicável, como se sua bondade, sua preocupação com o marido a impedisse de contrair a moléstia.
- "Velho da Venda Preta" - Relata o que acontece do lado de fora do manicômio, através das notícias do rádio e do que via quando ainda estava do lado de fora. É ele que abre os olhos do leitos para a realidade do mundo, o caos que se instalou pela cidade, as atitudes impensadas de quem estar no poder, tentado isolar o problema ao invés de estudá-lo.
O velho da venda preta é um personagem que, simbolicamente, representa aquele que possui sabedoria e poder de análise, ao refletir a respeito da cegueira e do caos instalado. Além da velhice, que lhe acumula experiência, o personagem usa uma venda, carregada de significação, pois, por ser um símbolo de cegueira, é também uma forma de mostrar que o personagem está imune à superficialidade das aparências físicas. Isso faz com que ele se interiorize, pois sua venda tapa o vazio em seu rosto, deixado pela perda de um olho, como também resguarda o personagem de julgamentos baseados no aspecto corporal. Isso é ainda mais reforçado pelo fato do velho da venda preta sofrer de catarata no olho que lhe resta. Velho, cego de um olho e ainda vítima de catarata, o velho da venda preta está fechado ao mundo corrompido pelas máscaras sociais e, embora vítima da cegueira branca, conserva consciência sobre o horror a que ele e os demais cegos estão submetidos.
O velho da venda preta é um personagem que, simbolicamente, representa aquele que possui sabedoria e poder de análise, ao refletir a respeito da cegueira e do caos instalado. Além da velhice, que lhe acumula experiência, o personagem usa uma venda, carregada de significação, pois, por ser um símbolo de cegueira, é também uma forma de mostrar que o personagem está imune à superficialidade das aparências físicas. Isso faz com que ele se interiorize, pois sua venda tapa o vazio em seu rosto, deixado pela perda de um olho, como também resguarda o personagem de julgamentos baseados no aspecto corporal. Isso é ainda mais reforçado pelo fato do velho da venda preta sofrer de catarata no olho que lhe resta. Velho, cego de um olho e ainda vítima de catarata, o velho da venda preta está fechado ao mundo corrompido pelas máscaras sociais e, embora vítima da cegueira branca, conserva consciência sobre o horror a que ele e os demais cegos estão submetidos.
- " A Rapariga dos Óculos Escuros"
- " Primeiro Cego"
- "Menino Estrábico"
O livro retrata a reificação do homem perante a perda da visão. Existe na obra uma sutil diferença entre ver e olhar. O olhar no sentido da percepção visual, uma consequência física do sentido humano da visão. O ver como uma possibilidade de observação atenciosa, de exame daquilo que é visto. Essa diferença é posta na epígrafe da obra: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". O reparar, portanto, não é nada mais do que se libertar da superficialidade da visão para aprofundar o interior do que é o homem e, finalmente, conhecê-lo.
Diante da epidemia de cegueira que se espalhou entre a população, o governo opta por colocar em quarentena aqueles que apresentavam a doença e aqueles que tiveram contato com os doentes. O lugar escolhido foi um manicômio desativado. A partir de então, as personagens entregam-se aos seus instintos mais primitivos, quebrando o limite entre civilização e barbárie.
A obra de Saramago, porém, vai muito além daquilo que inicialmente percebemos ao ver o filme ou ler a obra. A sua obra é composta por uma série de alegorias e de significados filosóficos. A começar pela cegueira.
A cegueira branca pode ser vista como uma alegoria da alienação por que passam as sociedades capitalistas do século XX e o manicômio, uma alegoria do poder. Entende-se poder como aquele definido por Foucault, ou seja, uma rede produtiva, que para ser mantida conta com mecanismos de força aceitos pela população. E por que são aceitos? É essa cegueira branca que aliena as pessoas e faz com que aceitem a hierarquia do poder.
Ao recobrarem a visão, começa a parecer "uma história doutro mundo aquela em que se disse, Estou cego" e os momentos críticos vividos enquanto estavam sem visão perdem-se da memória por causa da euforia de terem voltado a ver, o que bem pode apontar para a permanência da cegueira, não mais física, mas como um sinal de que a alienação continua presente entre os personagens. No filme é possível observar que o único que não ficou contente com a cura do Primeiro Cego é o Velho da Venda Preta, pois sabe que aquela euforia representava a continuidade da alienação pelo esquecimento.
A não localização geográfica e a falta de demarcação temporal presentes em Ensaio sobre a Cegueira ampliam a abrangência da narrativa, pois a cidade fictícia pode ser uma representação de qualquer cidade onde imperam as contradições imanentes ao capitalismo avançado. Através dessa falta de referência espaço-temporal e do jogo entre desumanização e humanização presente na narrativa, Saramago convida o leitor a uma revisão de valores e a uma tomada de consciência a respeito da situação do homem enquanto cidadão do mundo. Isso porque, como vimos, na destruição da barbárie, é possível haver humanização por meio do resgate da memória, da solidariedade e por meio também da libertação das máscaras sociais, que alienam e aprisionam.